A pesquisa "Juventudes e Sexualidade no Brasil", publicada pela
Unesco em 2004, mostra que 39,6% dos meninos não gostariam de ter um
colega de classe homossexual. É hora de falar do assunto nas salas de
aula
A família e a escola têm o dever
de falar aos jovens sobre a necessidade de respeitar as diferenças
"Homossexualidade é o mais difícil tema relacionado à
sexualidade", diz Mônica Marques Ribeiro, professora de Biologia da
Escola Estadual Ary Corrêa (de Ourinhos, São Paulo), que há dez anos
aborda a sexualidade nas salas de aula. A abordagem do
assunto nas escolas pode até deixar alguns pais receosos, mas é
necessário entender que é importante que o respeito às diferenças esteja
presente no currículo. Informar é o primeiro passo para a quebra do preconceito.
Muitas
pessoas, por exemplo, partem do pressuposto de que a bissexualidade e a
homossexualidade são desvios de caráter, uma doença ou ainda algo
contagioso. "A psicologia já demonstrou que ninguém sabe explicar
cientificamente por que as pessoas são heterossexuais, bissexuais ou
homossexuais. Há fatores biológicos, psicológicos e sociais, mas é
impossível determinar uma única causa", explica Lula Ramires, mestre em
Educação pela USP. "Em uma sociedade como a nossa, qualquer um que saia
da norma heterossexual é imediatamente tratado com descaso, desprezo,
humilhação e até com violência física. É isso o que chamamos de
homofobia", explica Ramires, que tabém é coordenador do Corsa (Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor de defesa dos direitos LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis).
Para
evitar o constrangimento, assédio ou bullying por parte dos estudantes,
a família e a escola podem - e devem - falar aos jovens sobre a
necessidade de respeitar as diferenças e de refletir sobre como quem não
tem o "comportamento padrão" imposto pela sociedade sofre muito. Falar
dos diferentes tipos de orientação sexual (atração afetiva pelo mesmo
sexo ou identificação física e psicológica com o sexo oposto) no
ambiente escolar faz parte disso, embora não seja fácil.
Recentemente, o Ministério da Educação envolveu-se em uma polêmica ao anunciar a distribuição de um kit anti-homofobia nas escolas.
Contendo vídeos e material de apoio aos professores, o material foi
amplamente criticado pela bancada evangélica da Câmara dos Deputados. A
ideia agora é reformular o kit, para que ele combata também outros
preconceitos.
A homossexualidade, portanto, é uma questão que deve ser debatida na escola. Tire as suas dúvidas sobre o tema:
- Como a homossexualidade afeta os alunos?
- A homossexualidade é uma das
principais causas de bullying nas escolas. Sem ter referências sociais e
culturais para debater a respeito da identidade de gênero e da
orientação sexual, os jovens acabam referindo-se com ironia e
preconceito aos gays dentro e fora da escola. Segundo Daniel Cara,
coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o fato de a
homossexualidade já estar na rua, na televisão, mas não na escola ou no
livro didático, acaba levando ao bullying.
Pesquisas mostram que a escola tem sido um verdadeiro "inferno" para
alunos homossexuais: eles são ignorados ou impedidos de participar de
atividades em grupo, seus objetos são furtados, são alvos de piadinhas e
xingamentos, ora são agredidos fisicamente das mais variadas formas.
"Fica difícil ir bem nos estudos e até ter vontade de ir para a escola
numa situação como essas", afirma Lula Ramires, coordenador do Corsa.
A pesquisa "Juventudes e Sexualidade",
publicada pela UNESCO em 2004 e aplicada em 241 escolas públicas e
privadas do Brasil, mostra que, entre os pesquisados, 39,6% dos meninos
não gostariam de ter um colega de classe homossexual. Dados compilados
pelo Grupo Gay da Bahia indicam que o Brasil teve cerca de 200
assassinatos relacionados à homofobia em 2009. O número é 4,5% maior do
que o de 2008, quando o país teve 189 homicídios de homossexuais. -
- Por que a escola deve combater o preconceito?
- A
escola não é capaz de combater o preconceito contra gays, lésbicas,
bissexuais, transexuais e travestis sozinha. Mas, segundo o estudo
"Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil", da Fundação Perseu Abramo, o
ambiente escolar é o melhor lugar para por fim à homofobia. Os
resultados da pesquisa mostram que, enquanto metade dos brasileiros que
nunca frequentou a escola assume comportamentos homofóbicos, apenas um
em cada dez brasileiros que cursaram o ensino superior apresenta o mesmo
comportamento.
Além disso, a homofobia manifestada na forma de bullying nas escolas faz
com que alunos desistam dos estudos. Além de instigar o respeito e
tolerância entre os alunos, falar sobre o assunto é uma forma de
garantir a permanência e o acesso à Educação - como previsto na lei - a
realmente todos os cidadãos. A Secretaria de Promoção e Defesa dos
Direitos Humanos da Presidência divulgou que, hoje, 10% da população
brasileira é gay. "À escola cabe mostrar que essa variabilidade do
desejo sexual existe na sociedade como um todo e que é preciso aprender a
respeitar isso", diz Lula Ramires, mestre em Educação pela USP e
coordenador do Corsa (Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor
de defesa dos direitos LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis). -
- Como os educadores devem trabalhar o tema na escola?
- A
abordagem do tema deve ser feita de forma delicada, afinal a
homossexualidade ainda é um tabu. "Ttem que se ter cuidado ao falar
disso", admite a professora de biologia Mônica Marques Ribeiro, que há
dez anos aborda em sala questões relacionadas à sexualidade, sempre
aproximando o tema dos direitos e deveres dos cidadãos e do respeito e à
diversidade humana. "Debatemos tudo conforme a necessidade da classe,
conforme o aluno vai perguntando", conta.
É importante deixar claro que, da mesma forma que existem pessoas que
sentem desejo pelo sexo oposto (heterossexuais), existem outras que
sentem isso pelo mesmo sexo (homossexuais). Fazer isso é parte do
trabalho do professor que decide abordar a temática sexual de forma
didática na sala de aula. Além disso, ressaltar que o desejo pelo mesmo
sexo não é uma vergonha, crime ou doença é algo que deve ser transmitido
não só para os alunos, mas também para os pais. -
- E se eu achar que falar de homossexualidade na escola é inadequado?
- Educadores
indicam que, quando os pais se sentirem desconfortáveis com a temática
estudada em sala, o melhor é comparecer às reuniões pedagógicas,
manifestar dúvidas e dialogar com os professores e gestores escolares.
"A Educação para a cidadania tem de ser uma tarefa empreendida pela
comunidade escolar, envolvendo inclusive a participação dos pais", diz
Lula Ramires, do Corsa (Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e
Amor de defesa dos direitos LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e
Travestis).
-
- Os professores estão preparados para falar de homossexualidade?
- No
Brasil, muitos educadores se sentem despreparados para enfrentar a
temática sexual em suas escolas. A pesquisa "Juventudes e Sexualidade",
publicada em 2004 pela Unesco, mostrou que 60% dos professores afirmaram
não ter conhecimento o suficiente para lidar com a questão da
homossexualidade na sala de aula. "Fazer com que o corpo docente
participe da abordagem do tema é difícil, porque os professores também
trazem seu dogmas", diz Mônica Marques Ribeiro, professora de biologia
da Escola Estadual Ary Corrêa, em Ourinhos, SP.
É possível mudar esse quadro. "Um educador realmente comprometido com
sua profissão tem de se atualizar constantemente. Se na sua formação
inicial e na graduação ele não teve acesso à discussão sobre gênero e
sexualidade, ele precisa buscar bibliografia, participar de cursos de
formação e comparecer a conferências e seminários", avalia Lula Ramires,
coordenador do Corsa (Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e
Amor de defesa dos direitos LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e
Travestis). Ele sugere que um trabalho sobre o tema seja proposto e
realizado por grupos de professores ou que se torne um assunto a ser
discutido com profundidade no planejamento escolar e nas horas de
trabalho pedagógico coletivo. -
- Há uma idade certa para falar de sexo e homossexualidade com os alunos?
- Segundo
pesquisadores, não existe uma idade ideal. Na infância, assuntos como
sexo e orientação sexual precisam ser tratados com muita sutileza, mas
sem menosprezar a inteligência dos pequenos. Já na adolescência, quando
rapazes e garotas estão experimentando transformações corporais, é um
dever da família e da escola abordar esse tipo tema com naturalidade, de
forma arejada, plural, indicando todas as possibilidades de escolha
sexual sem valorizar nem recriminar nenhuma delas.
-
- Como lidar com a homofobia na escola?
- O
caminho é sempre fazer da ampliação da cidadania tema das aulas. Ou
seja, se o professor trabalhar com os estudantes os princípios da
dignidade humana, da liberdade e da igualdade, a sala de aula se tornará
naturalmente um campo fértil para boas práticas pedagógicas sobre tema.
É importante passar informações científicas e propiciar o debate de
temas pertinentes à idade de cada turma, tentando aplacar as angústias
dos adolescentes em relação ao assunto. Veja algumas dicas pontuais para
lidar com a homofobia e as diversas orientações sexuais na escola:
- Reprimir os comentários preconceituosos entre os alunos.
- Acolher e fortalecer os jovens que se isolam do grupo por ter
comportamento diferente do padrão
- Promover um debate franco sobre a necessidade de respeitar as
diferentes orientações sexuais
- Incentivar que os estudantes tirem as próprias conclusões.
- A opinião do professor sobre o tema deve ser dada apenas no final das
discussões
- Apresentar aos alunos dados e pesquisas sócio-culturais sempre que
possível
- Manter a discussão genérica, sem se intrometer na intimidade da
garotada
- Propor atividades que favoreçam a participação dos mais tímidos
- Fazer um "contrato" com a turma para garantir que tudo o que for
discutido não seja usado em comentários maldosos nos corredores nem para
julgar os colegas
- Convidar os pais, sempre que possível, a participar de um bate-papo
sobre homofobia e diversidade sexual em sala de aula com os estudantes
Como lidar com a homofobia em casa?
Assim como na escola, é preciso muito diálogo e cuidado para não
incentivar possíveis preconceitos. Jamais critique os homossexuais e, se
perceber que seu filho está nutrindo algum tipo de preconceito,
converse sobre isso com ele. Assim como o racismo e o antissemitismo, a
homofobia não pode ser tolerada em casa, na rua e muito menos na escola. -
- E se o meu filho for homossexual?
- Aja
com naturalidade. Um estudo da Fundação Perseu Abramo (2008-2009), no
qual 413 homossexuais e bissexuais com mais de 18 anos foram ouvidos,
apontou que um terço dos entrevistados já havia sido discriminado por
familiares. Os traumas podem se agravar com o tempo e se estender pelo
resto da vida. Por isso, não se sinta desrespeitado se seu filho for
homossexual. Quanto mais cedo ele for acolhido (se for o caso, também
com a ajuda de uma terapia), menos problemas de auto-aceitação terá.
"A coisa mais íntima de um ser humano são os seus afetos. Ninguém
controla a atração que sentimos por A, B, C ou D", explica Lula Ramires,
coordenador do Corsa (Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e
Amor de defesa dos direitos LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e
Travestis). Para ele, assim como os pais não devem fazre planos quanto à
carreira profissional dos filhos, também não é bom querer direcionar o
rumo que tomarão em suas relações afetivas. "Há jovens que namoram muito
antes de encontrarem o par por quem finalmente se apaixonam. Há outros
que se enamoram já no primeiro relacionamento. Não há receita. Há sim, a
necessidade de bom senso, de sensibilidade e, claro, um esforço para
afastar qualquer tipo de preconceito ou discriminação", completa.
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